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quinta-feira, 17 de junho de 2010

Agricultura é vida


Impossível mencionar a agricultura e não falar de história, sociologia e antropologia, já que ela é anterior à escrita e seu incremento se confunde com o desenvolvimento do pensamento humano e com a organização dos primeiros núcleos sociais.

Há cerca de doze mil anos, o homem percebeu que as sementes dos frutos que os alimentava, em contato com o solo originavam plantas que posteriormente produziriam frutos idênticos àqueles dos quais extraíram as sementes. Tal experiência aumentou a quantidade de alimentos, fazendo surgir as primeiras lavouras e com elas, o povo que antes era nômade, fixou-se num só lugar mudando o designo do homem de caçador para agricultor.

Nossos antepassados sejam africanos, asiáticos ou europeus, tiveram suas sociedades organizadas inicialmente com base na agricultura. No Brasil, as comunidades indígenas que aqui viviam, antes da chegada dos portugueses, praticavam a pesca, a caça e a agricultura, que talvez tenha sido um dos principais atributos aos olhos estrangeiros, que antes de tomarem conhecimento do Pau-Brasil ou das riquezas minerais, citaram em carta ao velho mundo, “que nesta terra, em se plantando tudo dá.” Com essa informação, foi dado início a devastação das nossas matas litorâneas. Primeiro em busca da madeira rara, depois pela cultura de exportação, como a da cana-de-açúcar e mais tarde o café. E foi exatamente a escassez de alimentos, devido ao esgotamento do solo, que levou os europeus a intensificarem suas pesquisas científicas e tecnológicas no final do século XIX e início do século XX, na busca de fertilizantes químicos, melhoramento genético, motores a combustão e máquinas. Por aqui, expandiam-se fronteiras agrícolas em busca de novas terras agricultáveis, sem pouco se importar com a destruição florestal. Foram as descobertas feitas no século XX que deram origem à agricultura moderna. Cientistas como Saussure, Boussingaut e Liebig desacreditaram a dita “teoria do húmus” de que as plantas poderiam extrair tudo o que precisavam a partir da matéria orgânica do solo, defendendo que o volume da produção agrícola é proporcional à quantidade de componentes químicos aplicados no solo.

Oficialmente, já não éramos mais colônia nessa época, mas pelas leis que regem o capitalismo, embarcamos na onda do agrotóxico, ignorando as palavras de Caminha e tudo aquilo que não precisamos de nenhum estrangeiro pra dizer. Temos terras a perder de vista, climas diferentes em diferentes regiões. Pra que influenciar quimicamente a produção, se a natureza está em nosso favor? Se tantos quilômetros de mata já foram devastados, o que temos não é suficiente?
Essas e outras indagações, engrossaram o coro dos “ecologicamente conscientes”. E pasme, não são tão atuais como se imagina. Um grupo de estudantes brasileiros da Universidade de Coimbra no final do século XVIII e início do século XIX, condenava o tratamento dado ao meio ambiente no Brasil naquela época, e escritos de José Bonifácio, garantira a continuidade das idéias ao longo da monarquia. O próprio D. Pedro, tinha a sua volta, intelectuais e naturalistas que conduziam o Museu Nacional e o Instituto Geográfico Brasileiro. Políticos e fazendeiros da corte do Rio de Janeiro, na época capital, já mostravam-se preocupados com as questões ecológicas, acreditando que o mundo urbano que estava sendo implantado, era um modelo indesejável do padrão de vida europeu.

Na década de 70, surgiu o termo “agricultura alternativa” e sustentabilidade. Podemos dizer que aí sim começou-se a fazer algo. Foram criadas organizações como a Internacional Federation on Organic Agriculture (IFOAM) além de normas de certificação de orgânicos.

No Brasil, encontros realizados em 81, 84 e 87 concentravam as críticas na degradação ambiental e nos meios tecnológicos sobrepondo condições sociais às políticas e ecológicas. Surgiam também algumas ONGs setoriais e o termo agroecologia.

A partir da ECO 92, no Rio, o termo sustentabilidade ganhou força e com ele os processos de certificação ambiental como os “selos verdes”, incentivando a produção sem uso de meios e processos que degradem o ambiente.

A evolução é um processo lento e é importante acreditar que estamos no caminho certo. Uma trilha construída tijolo a tijolo que tem como matéria base o conhecimento e o raciocínio. Não podemos agora em pleno século XXI, depois de testar o certo e o errado, retroceder e culpar a agricultura de todos os problemas ambientais.

Esse não é o caminho.

Devemos sim valorizar essa arte e seus artistas, parando de enxergar o agricultor como o matuto ignorante que pouco conhece de modernidades. Uma herança errada deixada por Monteiro Lobato e seu “Jeca Tatu” que tantos “ Nersos da Capitinga” e “Jecas Gay” nos fazem acreditar até hoje. São eles que põem a comida em nossa mesa e somente através do trabalho suado, sol a sol dessa gente, é que temos acesso à matéria prima pra fazer remédios, roupas, papel, borracha e tantos outros itens de primeira necessidade que depois de prontos, ninguém quer saber de onde vieram.

Precisamos repensar a agricultura familiar que hoje representa mais de 84% dos imóveis rurais do país e é responsável por aproximadamente 40% do valor bruto da produção agropecuária e por uma parcela significativa dos alimentos que chegam à nossa mesa, como o feijão (70%); a mandioca (84%); a carne de suínos (58%); de leite (54%); de milho (49%); e de aves e ovos (40%).

A poder público e algumas ONGs, tem feito sua parte através de vários órgãos como as Empresas de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER) existentes em todo país dando suporte e investindo para que os agricultores familiares tenham mecanismos para fazer agricultura sustentável.

A feira “Brasil Rural Comtenporâneo” que nas suas duas últimas edições aconteceu na Marina da Glória no Rio de Janeiro mostrou a força da agricultura familiar no país. Um sucesso de público que poderia ter sido muito maior se nós, cidadãos, estivéssemos um pouco mais dispostos a saber o que podemos fazer como indivíduos, parte de uma sociedade.

E isso vai além de simplesmente criticar a agricultura e os agricultores sentados na poltrona assistindo novela. Temos que botar literalmente as mãos na massa, nos informando mais, conhecendo a fundo a história e a relação da agricultura e do homem e acima de tudo, consumir com consciência, preocupando-nos com segurança alimentar que nada tem a ver com a qualidade dos alimentos como se pode erroneamente pensar, mas sim no equilíbrio entre o que se produz e se consome.

Quem sabe assim, trocamos de vez o título de sociedade do consumo pelo de sociedade da consciência.


Claudia Cataldi é jornalista e presidente do Instituto Responsa Habilidade
www.responsahabilidade.org.br
presidencia@responsahabilidade.org.br
Twitter: @claudiacataldi

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