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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Água dourada


Desde os primórdios, o homem cultua o que é belo e raro. Assim é com as esculturas, obras de arte, jóias, e aí entram as pedras preciosas e os metais, que quanto mais raros, mais valorizados.

Talvez seja essa a razão de encontrarmos tanta dificuldade numa consciência coletiva do valor e da importância de se preservar a água, porque ela é tão abundante, que frequentemente ouvimos dizer que nosso planeta bem podia se chamar água, em vez de Terra, pois ocupa 71% da superfície e nosso potencial hídrico subterrâneo é 100 vezes maior que o das águas superficiais.
Já dizia a velha canção sem hipérbole alguma, que moramos num país tropical abençoado por Deus. Aqui a natureza não economizou em nada. Em termos de potencial hídrico, nosso volume médio anual é de 8.130km³, o que resulta em mais de 508 mil litros de água por habitante ao ano, ou seja, uma piscinas olímpica cheinha para cada um de nós brasileiros.

De toda a água doce disponível no mundo, 11% está em nosso território. A Amazônia, maior floresta tropical do planeta, é a mais rica não só em espécimes da fauna e da flora, o que garante a maior biodiversidade, mas também o lugar mais opulento em água potável superficial. Além disso, somos donos de gigantescas reservas em quase todos os Estados, exceto no semi-árido do nordeste. Sem contar com os aquíferos subterrâneos resultantes da contínua atividade cíclica hídrica, onde uma parte da água proveniente de rios, mares lagos etc. evaporam e retornam à superfície em estado líquido sendo atraídas pela força da gravidade penetrando nas rochas porosas, constituindo um manancial de área maior que os territórios da Espanha, França e Inglaterra juntos. Sem nos esquecer da menção ao pantanal, considerado a maior planície de inundação.

O Aquífero Guarani, um dos maiores do mundo, tem dois terços localizados em território brasileiro sob os estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, e o restante dividido entre Argentina, Paraguai e Uruguai. Calcula-se que seu potencial seja capaz de abastecer quase o dobro da população brasileira, cerca de 360 milhões de pessoas com seus mais de 40.000 km³ de água, índice superior a água de todos os rios e lagos do planeta o que nos garantiria abastecimento sem reciclagem ou reaproveitamento por milhares de anos.

Tudo isso já seria mais do que suficiente para nossa subsistência, no entanto, uma recente descoberta aumentou ainda mais nosso potencial hídrico: o Aquífero Alter do Chão, um reservatório fronteiriço que o Brasil divide com Venezuela, Colômbia, Equador e Peru, tem uma extensão 3 vezes maior que a do Guarani, já considerado o maior volume de água potável do mundo. Localizado sob os estados do Amapá, Pará e Amazonas, tem volume d` água suficiente para abastecer cem vezes a população mundial com 86 mil km³ de água doce disponível.
Foi essa grande disponibilidade de água que nos fez viver até bem pouco tempo com a ilusão de que nunca sofreríamos pela sua falta.

Ilusão mesmo!

Vide as sucessivas secas, apagões e racionamentos que volta e meia temos que enfrentar.
Não podemos esquecer que embora tenhamos muita água disponível sua disposição é desigual. A região Amazônica, por exemplo, corresponde a 54,48% do território e concentra uma população de 1 habitante por km², enquanto a Região Norte com seus 79,7% de potencial hídrico e 7,8% da população. A situação é semelhante quando se compara a situação continental.
A América do Sul descansa 6% da sua população em 26% das águas mundiais enquanto os asiáticos, que são 60% do planeta, tem que rebolar com seus 36% de recursos hídricos.
Embora o planeta tenha 71% da sua superfície coberto por água, apenas 3% é doce e somente um terço é acessível, e todo o resto está nas geleiras, calotas polares e lençóis freáticos profundos.

A falta de saneamento, também é um agravante, são 3 milhões de mortes anuais, na maioria crianças, 1,8 milhão segundo relatório da ONU e mais de 1 bilhão de doenças provocadas pelo consumo sem tratamento.

Turquia, Iraque e Síria vem atravessando sérias desavenças por conta do domínio da água dos rios Tigre e Eufrates que cruzam os países, mas tem nascente em território turco. O exemplo confirma os dados de que cerca de 50% das terras emersas enfrentam escassez de água e que a cada 5 indivíduos, um está privado de consumi-la, e pasmem, metade da população da Terra, não tem rede de abastecimento.

Tanta abundância nos fez esquecer que a água é um bem finito, como nossas professoras ainda em nossa primeira infância, muito bem nos ensinaram, é um recurso natural não renovável. E quando foi que demos a esse ensinamento o devido valor?

Sustentamos ao longo da nossa existência uma cultura de desperdícios. São horas lavando o carro nos finais de semana, horas no banho, escovamos os dentes com a torneira aberta, todos hábitos passados de nossos avós para os nossos pais que por sua vez nos repassaram e que responsavelmente não devemos tocar adiante. O fato é que a atual carência de água é o resultado de uma combinação de efeitos naturais, demográficos, sócio-econômicos e também culturais. Temos poluído indiscriminadamente nossos mares, lagos e rios, despejando toneladas de resíduos sólidos diariamente, exterminando a biodiversidade marinha e espalhando doenças que matam a nós, e nossas crianças.

Deixemos de achar que a água é um recurso abundante e de poupar só pra não sentir no bolso quando vem a conta. Está na hora de abandonarmos a condição de utilizadores da natureza e a crença de que com tecnologia resolveremos todos os impactos negativos que causamos ao ambiente e ao meio natural. Segundo o geógrafo Nelson Bacic Olic, ao longo do século XX, a população mundial foi multiplicada por três, as superfícies irrigadas por seis e o consumo global de água por sete, e ao mesmo tempo, nas últimas cinco décadas, a poluição dos mananciais reduziu as reservas hídricas em um terço. Já no início do século XXI, a água já é considerada o bem mais valioso, e o Banco Mundial necessitará de investimentos em torno de Us$ 800 bilhões em todo o mundo para que ela não falte.

Declarações da ONU afirmam que se o consumo indiscriminado permanecer, até 2025, 2,7 bilhões de pessoas vão sofrer pela sua falta.

A água é indispensável a vida, e depois de todas estas constatações, o que se pergunta é: de que valerá tanta riqueza, tanta conquista, se não tivermos a disponibilidade de nosso bem maior, ao qual ouso até chamar do verdadeiro ouro branco?



Claudia Cataldi é jornalista e presidente do Instituto Responsa Habilidade
www.responsahabilidade.org.br
presidencia@responsahabilidade.org.br
Twitter: @ClaudiaCataldi

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